domingo, 12 de junho de 2011

Filmes que eu amo - Parte 3: A Festa de Babette

Alguns filmes tem o poder de despertar os sentidos e mostrar que uma existência sem prazer é pior que a morte, como o dinamarquês A Festa de Babette, baseado no romance de Karen Blixen. Tanto o texto quanto sua versão cinematográfica, realizada pelo pouco conhecido Daniel Axel, criticam a forma com que vemos os rituais diários, valorizamos (pouco) os momentos marcantes e as alegrias do paladar, da visão e do olfato, tudo em nome das pressões que a vida nos impõe e de um senso moral idiota.

Ambientado no gelado litoral dinamarquês, mostra o cotidiano de um grupo de religiosos liderados por um pastor luterano radical. Ele morre e, em seu lugar, suas filhas Martine e Felippa tornam-se as líderes e autoridades máximas da comunidade. Lindas, elas roubam a atenção de grande parte dos homens da região.



Dois deles serão definitivos no desenrolar do roteiro e determinam a vida de renúncia das jovens: o militar Lorens Lowenhelm e o cantor lírico francês Achille Papin. O primeiro se apaixona por Felippa, é correspondido e passa a frequentar os cultos apenas para vê-la. Papin passa uma temporada na região e descobre a voz primorosa de Martine. O cantor se oferece para ser seu professor, ministra a ela algumas aula, mas a moça, temerosa da ira paterna, desiste da possibilidade da carreira artística.

Anos depois, chega à cidadezinha uma misteriosa francesa, Babette. Ela não fala uma palavra de dinamarquês e sabe-se por uma carta que ela apresenta às irmãs que fugiu da França perseguida pelo rei, e teve o filho e o marido assassinados na Guerra. Sem ter como viver, a francesa se oferece para cozinhar na casa das carolas em troca de um lugar para dormir.

A presença de Babette anima o ambiente gélido e nublado, com sua simpatia séria e seu cuidado com os pratos que serve. Até os doentes amparados pelas filhas do pastor ficaram mais fortes depois de sua chegada. Mas num dado dia a cozinheira recebe uma carta comunicando que ela receberia em breve 10 mil francos. A comemoração do centenário do falecido líder religioso estava próxima e ela não titubeia: resolve fazer um banquete em homenagem a ele e regalar os 11 moradores da vila com um banquete digno da realeza.

O que se segue é uma profusão de cores e aromas que, em princípio assusta os ascéticos moradores do lugarejo, crentes que o alimento não tem importância que não deixar nossos corpos vivos e inteiros. A cada novo prato, um mundo de cores, aromas e formatos inusitados vai ganhando forma à frente de cada homem ou mulher, seduzindo-os pouco a pouco. Presente na mesa, o agora general Lorenz – uma ponte involuntária entre o mundo perdido do vilarejo e a civilização além dali – fica surpreso com o requinte da refeição, tece comentários elogiosos a cada iguaria e logo descobre a verdadeira identidade da cozinheira.

O jantar de Babette é como uma redenção para todas aquelas pessoas que, cada uma a seu modo, abriu mão de alguma coisa na vida, por fé, pressão externa, medo de Deus ou de si mesmo. Há algo de sagrado na forma com que cada prato é degustado e apresentado, como cada comensal leva cada porção à boca. Uma ode à vida e à alegria de apreciá-la.