segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Questão de escolha

Outubro é um dos meses que espero com mais ardor, todos os anos, há pelo menos 14 anos. Acho que mais ainda que fevereiro, o mês do meu aniversário, ou dezembro, das festas de fim de ano, das quais tanto gosto. É quando começa a Mostra Internacional de Cinema, esse ano menor – 250 filmes – e um pouco mais triste, sem a presença de Leon Cakoff, seu criador e diretor, que morreu vítima de câncer uma semana antes da abertura do evento, como todos sabem.

E uma coisa que sempre penso quando compro meu pacote, faço minha programação e organizo minha vida para respirar cinema por 12 dias é como as outras escolhem o que ver, diante de tão larga e rica oferta. Eu me pauto por várias coisas. A primeira é a chance desses filmes de irem para o circuito comercial. Raramente escolho aqueles que estarão nas salas logo, a menos que seja algo que eu queira muito assistir.

A segunda são diretores. Quando são exibidos filmes de realizadores que aprecio, mesmo que a crítica tenha descido a lenha previamente, acabo apostando neles. Premiados em festivais seguem a lista, não por se tratar de eleição segura, mas justamente pelo contrário, por constituir uma chance de confronto. Quantos e quantos filmes ganhadores de Leões, Ursos e Palmas não são terríveis?

E,finalmente, vem o efeito surpresa. Não tenho medo de me arriscar: muitas das melhores películas que vi durante todos esses anos de Mostra foram totalmente livres de indicações de amigos, da crítica, de festivais, de nada. Li a sinopse, o país de origem e pronto.

Não acredito que esse método seja nada original: muitos dos meus amigos e conhecidos fazem isso. Tem aqueles que privilegiam alguns países ou continentes – eu mesma vejo muita coisa da América do Sul. Ou só frequentar salas de um determinado circuito, como também faço. A síntese de tudo isso é que cinéfilos são pessoas cheias de idiossincrasias. Como sonhar com a chegada de outubro, para se internar na sala escura e viver momentos incríveis.

domingo, 11 de setembro de 2011

Veneza é dele

Além de Alexandre Sokurov, que com Faust desbancou Roman Polanski e seu Carnage, e A Dangerous Method de David Cronemberg na categoria Melhor Filme, o grande vencedor do Festival de Veneza, que acabou ontem, foi o ator Michael Fassbender. O alemão levou o Leão de Ouro por seu delicado papel em Shame, do inglês Steve McQueen, que retrata o drama de Brandon, homem viciado em sexo e que tem uma complicada relação com a irmã caçula, Sissy (Carey Mulligan).

É a segunda parceria entre Fassbender e McQueen, dono de uma estética elegante, que tem muito a ver com seu trabalho como artista plástico. O belíssimo primeiro filme de ambos, Hunger, mostra os dias da greve de fome do ativista político irlandês Bob Sands. Falei dele ano passado no Duelos y Delícias.



Apesar do primor de sua atuação em Hunger – que não foi exibido por aqui, mas é fácil de se encontrar para baixar – Fassbender ficou conhecido por seus trabalhos em Bastardos Inglórios, em que ele faz um pequeno papel como um oficial nazista) e em X-Man - First Class, no qual vive o jovem Magneto. A Dangerous Method, que também concorreu em Veneza, mostra Fassbender como o psicanalista Carl Jung e o triângulo amoroso dele com a paciente Sabina Spielrein (Keira Knihtley) e o colega-rival Sigmund Freud (Viggo Mortensen).

Tanta versatilidade somada à premiação com certeza abrirá portas para o ator, que dá mostras de um trabalho consistente ao transitar por diferentes gêneros e estilos de direção com a mesma força interpretativa. Ainda não há previsão de estreia das novas películas de McQueen e Cronemberg por aqui, mas esperemos que cheguem até o final deste ano. Se não, a internet está aí para nos ajudar os mais afoitos, como eu.

sábado, 30 de julho de 2011

Sobre a cinefilia

“Provalvemente a cinefilia, paixão íntima, vinda de forma vital e polêmica, só é capaz de descobrir sua história através desta ironia: falar de si como de um outro, o que assegura um certo distanciamento ao mesmo tempo que evoca um desejo de proximidade. A proximidade peculiar da vontade de construir um relato, o distanciamento necessário à escrita de uma história”.
(Antoine de Baecque, em Cinefilia, lançado no Brasil pela Cosac Naify)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Gainsbourg, vida louca

Quando se pensa em Serge Gainsboug muita gente lembra de seu talento e sua audácia como compositor e cantor, influenciado por nomes lendários como Jacques Brel e Charles Aznavour. Mas para a maior parte do mundo, o que o mitificou foi a fama de conquistador serial de lindas mulheres, como Brigitte Bardot, Juliette Grècco e Jane Birkin. Com muita poesia e belas metáforas, o diretor Joann Sfar conseguiu unir essas duas pontas e ainda mostrar outros aspectos da vida dele em Gainsbourg, vie héroïque, que aqui virou Gainsbourg, o Homem que amava as Mulheres, título que serve, justamente, para chamar a atenção de quem conhece apenas esse lado.

Generalização à parte, Sfar usa da fantasia, mola-mestra de sua atividade principal como cartunista, para aproximar o protagonista da audiência. Na infância, o pequeno Lucien (ele se tornaria Serge bem mais tarde, por sugestão do músico Boris Vian) aparece acompanhado por um boneco grande, redondo, dotado de dois pares de braços e pernas, mas com as suas feições. Já na juventude, o ser roliço – sua consciência? – torna-se uma criatura magra, alta, de nariz e orelhas grandes. Ele é interpretado por Doug Jones, ator especializado em dar vida a seres fantásticos como o fauno do já clássico filme de Guillhermo del Toro e Abrahan Sapian, o homem-peixe da franquia Hellboy.



Mesmo sendo muito parecido, Eric Elmosnino não emula totalmente o charme do "feio-bonito-interessante-barraqueiro" do original. O mesmo pode-se dizer de Laetitia Casta, sem dúvida uma das mulheres mais lindas do mundo, mas cuja Brigitte Bardot nada mais faz que irritar o público (os homens creio que não), durante os poucos minutos em que aparece na tela. Outras atrizes em cena são Anna Mouglalis – que antes de Greccò já havia sido Coco Chanel e Simone de Beauvoir no cinema – e a britânica Lucy Gordon como Jane, o grande amor do cantor. Gordon não viu a película pronta: cometeu suicídio quando o material estava em fase de pós-produção.

As interpretações não primorosas, entretanto, não estragam o filme, que retrata com charme o ambiente habitado por Serge, dos anos da ocupação alemã, na Segunda Guerra, até o fim de seus dias, no início dos anos 90. As cenas em que o pequeno Lucien espia uma modelo nua numa aula de desenho de observação, e a que ele vai a um café com a mesma moça, encontra uma velha cantora e canta cançonetas de cabaré, pouco adequadas à sua idade, são das mais divertidas.

Como cinebiografista, o novato Sfar surpreende, ainda que como diretor de atores ainda tenha um longo universo a aprender. O encanto das canções do irreverente Gainsbourg, que passou a vida defendendo a ideia de que era possível fazer música popular e de qualidade enquanto seu pai cobrava dedicação ao estudos clássicos, já valem o ingresso. Os fãs se encantarão, seguramente. Já quem conhece pouco sua vida e obra pode gostar de conhecer a verve e o gosto pela polêmica de um dos grandes nomes da música contemporânea.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Deneuve em dois tempos

Carol é uma jovem belga que mora com a irmã mais velha em Londres e trabalha num salão de beleza, como manicure. Sua vida se resume a trabalhar, sair para almoçar, voltar para casa e ficar trancada no quarto olhando para as paredes. A cada dia, vai se tornando mais esquizofrênica, alheia a tudo, até surtar de vez. Já a dona de casa Susane nunca trabalhou: herdou a fábrica de guarda-chuvas do pai, agora administrada pelo marido que pouco lhe dá atenção e tem um caso com a secretária. Essas duas mulheres são vividas com maestria por Catherine Deneuve, em Repulsa ao Sexo (Roman Polanski, 1964) e Potiche (François Ozon, 2010). Revi o primeiro e assisti o segundo há alguns dias.

Repulsion (ou Repulsa ao Sexo, outro dos nomes ridículos que os distribuidores brasileiros calcam) é, para mim, uma das obras mais perturbadoras de Roman Polanski, ainda que não tenha a mesma classe e o bom acabamento de O Bebê de Rosemary. O diretor busca referências em Él e El Ángel Exterminador, ambos de Luis Buñuel e que retratam personalidades esquizóides, para compor o perfil psicológico de Carol, mas com alguns cacoetes típicos de filmes de suspense.



Filmado em branco e preto, faz de imagens fortes, como o coelho assado que a irmã de Carol prepara, mas não o serve, e que vai apodrecendo ao longo do filme, (numa dada cena, sua cabeça é encontrada na bolsa da jovem); as rachaduras nas paredes e nas ruas que tornam-se cada vez maiores; a sujeira e a poeira do apartamento um contraponto visual à deterioração mental da personagem. A cena em que, já no auge da loucura, a moça passa por um corredor cheio de mãos que a tocam e, logo depois, comete dois assassinatos, lembra muito a atmosfera de Psicose.

Aos 22 anos, Deneuve encarna a repulsa do título original de forma surpreendente. E não é só ao sexo, é à vida. Ela evita olhar para as pessoas nas ruas; foge do pretendente apaixonado e lava a boca com sabão ao ser beijada por ele; joga apetrechos do amante da irmã no lixo; come apenas migalhas de biscoitos velhos e dorme ao fazer as unhas de suas clientes. Quando finalmente enlouquece, parece encontrar a redenção.

François Ozon é um dos diretores mais versáteis de sua geração e, talvez por isso, um dos mais achincalhados pela crítica. Para mim seu grande mérito sempre foi justamente o que torna sua cinematografia questionável: a capacidade de ir do romance cafona de época à comédia fantástica. Potiche é um filme simpático, com uma história divertida mas com um forte apelo político, por tratar dos direitos e do espaço das mulheres na sociedade. Ambientado nos anos 70, tem um roteiro que garante algumas risadas e a presença de uma Deneuve arrebatadora.



As câmeras estão a serviço da atriz. Susane, a "esposa troféu", que só cuida do marido (o ótimo Fabrice Lucchini) e corre no bosque de roupa Adidas e lenço no cabelo, vai se tornando cada vez mais forte e bela ao assumir a fábrica da família, cujos funcionários entram em greve, quando o marido sofre um infarto suspeito.

Para ajudá-la na ingrata tarefa de trabalhar depois de tanto tempo apenas como rainha do lar, ela procura o sindicalista e político Maurice Babin (Gerard Depardieu). Pouco a pouco sabe-se que eles foram amantes e que a mulher está longe de ser perfeita e fiel, o que é o mais engraçado e irônico do filme. A sequência em que Susane chega para uma reunião com os líderes da greve, elegantemente vestida e falando como se estivesse com suas amigas num chá, é das mais cômicas.

Além da condução por excelentes diretores, o único ponto em comum entre ambas películas é a protagonista, que mesmo cheia de plásticas e beirando os 70 anos, conserva muito do frescor expressivo de Sevèrine, a bela da tarde de Buñuel, ou da Carol de Polanski. O olhar de Susane quando parece que tudo vai dar errado remonta às cenas em que Carol, confusa, acorda depois de cochilar no trabalho. Um brilho que o tempo, as produções questionáveis ou os maus diretores não apagam.

domingo, 12 de junho de 2011

Filmes que eu amo - Parte 3: A Festa de Babette

Alguns filmes tem o poder de despertar os sentidos e mostrar que uma existência sem prazer é pior que a morte, como o dinamarquês A Festa de Babette, baseado no romance de Karen Blixen. Tanto o texto quanto sua versão cinematográfica, realizada pelo pouco conhecido Daniel Axel, criticam a forma com que vemos os rituais diários, valorizamos (pouco) os momentos marcantes e as alegrias do paladar, da visão e do olfato, tudo em nome das pressões que a vida nos impõe e de um senso moral idiota.

Ambientado no gelado litoral dinamarquês, mostra o cotidiano de um grupo de religiosos liderados por um pastor luterano radical. Ele morre e, em seu lugar, suas filhas Martine e Felippa tornam-se as líderes e autoridades máximas da comunidade. Lindas, elas roubam a atenção de grande parte dos homens da região.



Dois deles serão definitivos no desenrolar do roteiro e determinam a vida de renúncia das jovens: o militar Lorens Lowenhelm e o cantor lírico francês Achille Papin. O primeiro se apaixona por Felippa, é correspondido e passa a frequentar os cultos apenas para vê-la. Papin passa uma temporada na região e descobre a voz primorosa de Martine. O cantor se oferece para ser seu professor, ministra a ela algumas aula, mas a moça, temerosa da ira paterna, desiste da possibilidade da carreira artística.

Anos depois, chega à cidadezinha uma misteriosa francesa, Babette. Ela não fala uma palavra de dinamarquês e sabe-se por uma carta que ela apresenta às irmãs que fugiu da França perseguida pelo rei, e teve o filho e o marido assassinados na Guerra. Sem ter como viver, a francesa se oferece para cozinhar na casa das carolas em troca de um lugar para dormir.

A presença de Babette anima o ambiente gélido e nublado, com sua simpatia séria e seu cuidado com os pratos que serve. Até os doentes amparados pelas filhas do pastor ficaram mais fortes depois de sua chegada. Mas num dado dia a cozinheira recebe uma carta comunicando que ela receberia em breve 10 mil francos. A comemoração do centenário do falecido líder religioso estava próxima e ela não titubeia: resolve fazer um banquete em homenagem a ele e regalar os 11 moradores da vila com um banquete digno da realeza.

O que se segue é uma profusão de cores e aromas que, em princípio assusta os ascéticos moradores do lugarejo, crentes que o alimento não tem importância que não deixar nossos corpos vivos e inteiros. A cada novo prato, um mundo de cores, aromas e formatos inusitados vai ganhando forma à frente de cada homem ou mulher, seduzindo-os pouco a pouco. Presente na mesa, o agora general Lorenz – uma ponte involuntária entre o mundo perdido do vilarejo e a civilização além dali – fica surpreso com o requinte da refeição, tece comentários elogiosos a cada iguaria e logo descobre a verdadeira identidade da cozinheira.

O jantar de Babette é como uma redenção para todas aquelas pessoas que, cada uma a seu modo, abriu mão de alguma coisa na vida, por fé, pressão externa, medo de Deus ou de si mesmo. Há algo de sagrado na forma com que cada prato é degustado e apresentado, como cada comensal leva cada porção à boca. Uma ode à vida e à alegria de apreciá-la.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Filmes que eu amo - Parte 2 - Blow Up

Minha primeira incursão pelo fantástico mundo de Michelangelo Antonioni foi há quase 17 anos, quando eu estava no primeiro ano da faculdade. Era uma tarde gelada e eu estava em casa sem ter o que fazer. Fui à locadora e dei de cara com The Passenger – que aqui no Brasil ganhou a infame alcunha de “Passageiro: Profissão Repórter”. Caloura de jornalismo, fiquei fascinada com as sequências no deserto e sonhava em ser uma espécie de Christiane Amampour, cobrindo conflitos no Oriente Médio. Devaneios mirins à parte, foi um dos mais inventivos e bonitos filmes que já vi na vida.

Um tempo depois vi Blow Up, que, novamente em terras brasilis, recebeu o complemento que se quer espertinho, “Depois daquele beijo”. Se existe uma peça cinematográfica que represente para mim a ideia de que aquilo que vemos pode ou não ser verdadeira é essa. A forma foi repetida inúmeras vezes, muitas vezes de jeitos diferentes, e se mantém atual, mais de 40 anos depois.



Antonioni é, antes de tudo, um esteta. Todos seus filmes primam por uma técnica em que se sobressaem os planos longos combinados a elementos de cena fantásticos. E sempre belas mulheres. Em Blow Up, além de Vanessa Redgrave, linda e charmosa como a misteriosa moça que comete o beijo do pseudo-título brasileiro, vê-se ainda uma jovem e peralta Jane Birkin, na fase pré-Gainsbourg.

Rever essa película, num dia de recolhimento e reflexões, me lembrou de tantas outras coisas que parecem algo, mas em seu andamento tornam-se outras. E daquelas que se tinha certeza de que eram reais, e ao final nada mais eram que ilusões idiotas. Um exercício mental bastante difícil, mas necessário.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Caótico Medem

Ela se chama Ana. Ele, Oto. Dois nomes palindrômicos, duas almas parecidas que se separam e se juntam várias vezes na vida. A linha geral do roteiro de Los Amantes del Círculo Polar pode parecer de uma pieguice sem fim à primeira vista, mas trata-se de uma película surpreendentemente bonita. A condução do roteiro e a direção de arte fazem dele um dos mais interessantes filmes sobre amores confusos de todos os tempos. Pena que Julio Medem, seu diretor, perdeu a mão totalmente nos últimos anos.

Apesar de frustrada com Caótica Ana, de 2007, chatíssima saga de uma jovem que vai para Madrid para se aprofundar na carreira de artista plástica e dá uma pirada (quer coisa mais clichê?), resolvi ver Habitación en Roma, de 2010, seu último trabalho. A espanhola Alba (Elena Anaya) e a russa Natasha (Natasha Yanorenko) se conhecem em um bar e acabam indo para o quarto de hotel de uma delas. Lá, durante as 12 horas que faltam para deixarem a cidade e voltarem para suas vidas reais, elas transam e falam de suas histórias e problemas reais e imaginários. Tudo recheado de planos feios, metáforas visuais equivocadas, trilha sonora cansativa e um desnecessário merchandising do Bing, o serviço de mapas da Microsoft.





Parece que Medem quis fazer uma mescla de Antes do Amanhecer (1998), de Richard Linklater, e do chileno En la cama, de Matias Bizé (que inclusive tem uma versão brasileira com dois ícones do canastrismo, Reynaldo Gianechini e Paloma de Oliveira). Por mais Medem seja dono de uma estética mais elaborada, que sua obra tenha uma marca autoral (suas personagens são sempre mulheres belas e perdidas) pouco se salva. Os diálogos são fracos, dando até vergonha em algumas cenas. Grande parte dos planos são cafonas, como nas cenas de sexo à la Canal Playboy, claramente feitas para agradar ao público masculino. Acho que se ele fizesse cenas mais descaradas, como em Lucía y el Sexo ou Caótica Ana, seria mais interessante e coerente com o resto do seu trabalho.

Pensando no panorama do cinema espanhol atual, dá para tirar desse filme uma reflexão sobre os rumos de tantos diretores. Talvez a crise econômica tenha tido um efeito maior que simplesmente afastar os investimentos. Poucos diretores vêm fazendo coisas bacanas, como Jaume Bagueró e Paco Plaza, do ótimo REC. Pode ser que o desânimo tenha abatido a criatividade ibérica. Espero que isso logo mude e que voltemos a nos entusiasmar com novos realizadores de lá.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Filmes que eu amo, parte 1 - Uma Noite sobre a Terra

im Jarmusch é um dos caras mais talentosos do cinema independente americano. É pena que venha produzindo tão pouco nos últimos anos. Gosto demais de grande parte de seus filmes e Uma Noite sobre a Terra é um dos meus favoritos. Talvez por ser uma pequena obra prima, com um roteiro que consegue ser simples e genial, e seus personagens hilários e, ao mesmo tempo, dramáticos.

Em cinco cidades diferentes, pessoas pegam táxis no meio da madrugada. Em Los Angeles, uma jovem taxista leva uma agente de atores para o hotel. A empresária está a procura de uma nova face para um filme, e vê na menina uma estrela em potencial. Já em Nova York, um morador do Bronx quer voltar para casa, mas nenhum carro para na rua para levá-lo. Apenas um alemão, recém-chegado na cidade tem boa vontade para conduzi-lo. Na capital francesa, um africano traz dois diplomatas compatriotas de volta de uma festa, é vítima de suas chacotas e os abandona no meio da rua. Em seguida, pega uma jovem cega das mais perspicazes.



Enquanto isso, em Roma, um condutor falastrão transporta um padre do centro da cidade para sua casa, na periferia, e o deixa horrorizado com os relatos de suas aventuras sexuais. Num ponto mais frio da Europa, em Heikijavik, três amigos bebem o desgosto de um deles, que ficou desempregado, perdeu a esposa e tem uma filha adolescente grávida. Mal sabem os pobres diabos que a história do taxista é ainda mais triste que a dele.

Jarmusch também lança mão de atores que fariam parte de outros de seus filmes, como Roberto Benigni vivendo o lascivo italiano, e Isaac de Bankolé (de Limits of Control) como o taxista parisiense. Outras grandes aparições são Geena Rolands, a musa de John Cassavettes, na parte de Los Angeles, e o alemão Armim Muller-Stall (que fez Senhores do Crime , de David Cronemberg) como o ex-palhaço que vai ganhar a vida guiando pelas ruas da Big Apple.

Jarmusch traz pitadas da poesia dramática de Fellini e do humor picaresco do cinema italiano dos anos 70 ao seu estilo, que tem foco no equilíbrio entre os diálogos (excelentes) e os momentos de silêncio, tudo pontuado pela bela trilha de Tom Waitts, outra marca sua.

As cinco histórias retratam brilhantemente aquelas conversas tão corriqueiras, nem sempre cortezes, entre conduzidos e condutores. Mostra também a universalidade de certas situações. Gente que não dirige e está sempre atravessando a cidade de táxi, como eu, se identifica facilmente.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Gente de talento

Passei uma parte do meu dia de hoje vendo os curtas vencedores do VIMEO Awards, festival criado no ano passado para mostrar a quantas anda a produção cinematográfica atual, principalmente a digital. Muita gente concorreu com projetos de graduação, outros já tem uma boa experiência e vários deles dão um surra em muita gente que se acha excelente cineasta.

Participaram do festival 6500 trabalhos e premiados 10 em diferentes categorias. Cada vencedor ganhou um prêmio em dinheiro e mais a chancelaria do Vimeo para distribuir os filmes na comunidade, mas redes sociais e outras áreas, o que é bem bacana.

"Break-ups: The Series" Vimeo Submission "Best Original Series" from Ted Tremper on Vimeo.




Last Minutes with ODEN from phos pictures on Vimeo.



Vale a pena dar uma olhada nos vencedores. O primeiro lugar, Last minute with Oden, é lindo e extremamente triste ao mostrar os últimos momentos de um cão. Na mesma linha vem Break Ups - The Series, três historinhas de finais de relacionamento, de 4 minutos cada. Todos foram improvisados e emocionam pela veracidade e por tratar de um tema tão corriqueiro de uma forma inusitada. Para ver todos os curtas e conhecer melhor o projeto, acesse o site oficial do Vimeo Awards aqui.

terça-feira, 8 de março de 2011

Amores expressos

No ano passado Xavier Dolan apareceu para o mundo. O prodígio canadense - ele tem só 21 anos - chamou a atenção da crítica com Eu matei minha mãe, em 2009, e em 2010 com Amores Imaginários, exibido em Cannes e outros festivais mundo afora. Foi muito comentado pela crítica, que se dividiu entre apupos e elogios.

O filme mostra o próprio Xavier como Francis, carinha moderno que passa grande parte de seu tempo em festas descoladas e cafés com sua amiga Marie (Monia Chokri). Num desses eventos a dupla conhece Nicholas(Niels Schneider), carinha interessante que acabou de chegar do interior à Quèbec. A dupla hipster acaba se apaixonando pelo rapaz (que se mostra um belo de um manipulador), o que acaba por colocar em cheque a amizade de tanto tempo.



Dolan busca várias referências - de Truffaut a Wong Kar Wai, esse último aparentemente a maior fonte - para criar uma película de ritmo interessante e esteticamente bem acabado. Os figurinos são incríveis, à la In the mood for love, e o clima amargo lembra 2046, duas das melhores realizações do chinês.

De Truffaut o diretor parece ter se inspirado em Jules et Jim para compor os personagens e o triângulo amoroso que se forma entre eles. Aliás, muitos outros grandes mestres do cinema já passaram por esse quase sub-gênero, como Godard (com Band à part, um dos meus preferidos) e Bertolucci (Os Sonhadores) e o canadense certamente os estudou com afinco.


Mas essa reverência não prejudica o filme. Xavier demonstra ter capacidade de fazer um bom artesanato usando esse arcabouço teórico-estético e suas próprias experiências na direção. Vale a pena ficar de olho que o rapacito vai produzir pelos próximos anos.

Ah, ia me esquecendo: a trilha sonora é bem bacana. Tem a bela versão da cantora italiana Dalida de Bang Bang, que ficou famosa com Nancy Sinatra e na trilha de Kill Bill, além do The Knife, uma das bandas que eu gostaria de ver tocar por aqui um dia.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Galeria de notáveis

De épicos como Ben Hur e E o vento levou a produções independentes como O Sindicato dos Ladrões e Quem ser um Milionário, conheça alguns dos filmes mais premiados da história do Oscar*


Ben Hur (William Wyller, 1959) – 11 Oscars
Durante quase 50 anos Ben Hur foi o líder em premiações do Oscar, até que Titanic (James Cameron, 1997) igualou sua marca de 11 estatuetas, em 1998, e, cinco anos depois, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (Peter Jackson) também o fez. Foi premiado nas categorias Filme, Direção, Direção de Arte, Ator, (Charlton Heston, numa atuação marcante), Ator Coadjuvante (Hugh Griffith), Fotografia, Figurino, Efeitos Especiais, Montagem, Trilha Sonora e Som.




A saga do mercador judeu Judah Ben Hur (Heston) é considerado o maior épico de todos os tempos, e também um dos mais caros filmes da história do cinema. À época em que foi filmado quase totalmente nos estúdios da Cinecittà, na Itália, custou 15 milhões de dólares, quantia considerada ridícula se comparada a produções recentes como Avatar, também de Cameron.

Titanic (James Cameron, 1997) – 11 Oscars
A história de amor vivida por Rose DeWitt Bukater (Katie Winslet) e Jack Dawson (Leonardo di Caprio), dois jovens pertencentes a classes sociais diferentes que se conhecem, se apaixonam e morrem no naufrágio do célebre transatlântico RMS Titanic foi um sucesso de público, crítica e premiações. Levou os Oscars nas categorias Filme, Direção (James Cameron), Direção de Arte, Fotografia, Efeitos Sonoros, Figurino, Edição de Som, Efeitos Especiais, Montagem, Trilha Sonora e Canção Original. Foi também o filme que recebeu o maior número de indicações ao Oscar na história da premiação, com 14, juntamente com A Malvada (Joseph L. Mankiewicz, 1950).


O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (Peter Jackson, 2002) – 11 Oscars
Impressionante por sua qualidade técnica e pelo apuro na adaptação para o cinema, o terceiro filme da saga baseada na obra de J.R.R Tolkien teve uma carreira pontuada por marcos importantes. Foi o primeiro filme de fantasia a ganhar o Oscar de Melhor Filme. Também tornou-se a terceira sequência na história da premiação a receber esse mesmo prêmio, conquista igualada anteriormente por O Poderoso Chefão Parte 2 (Francis Ford Copolla, 1974) e Hannibal (Ridley Scott, 2001). Foi vencedor em todas as categorias para o qual foi indicado: Filme, Direção (Peter Jackson), Efeitos Especiais, Direção de Arte, Montagem, Figurino, Efeitos Sonoros, Som, Fotografia, Trilha Sonora e Canção Original. Em Melhor Filme teve como rivais Sobre Meninos e Lobos (Clint Eastwood) e Encontros e Desencontros (Sofia Coppola).

Amor, Sublime Amor (Robert Wise, 1961) – 10 Oscars
É tido por vários críticos uma das melhores adaptações de um musical da Broadway para o cinema de todos os todos. Uma espécie de Romeu e Julieta contemporâneo, mostra o relacionamento de Tony (Richard Beymer), líder da gangue anglo-saxã dos Jets, e Maria (Natalie Wood), irmã do líder do grupo rival, os Sharks, formado por imigrantes porto-riquenhos. Em meio a várias coreografias e canções inesquecíveis, o amor do casal acirra a rivalidade entre as duas gangues, como na obra shakesperiana.
Único filme da história com 10 estatuetas no currículo: Filme, Direção, Ator coadjuvante (George Chakiris), Atriz coadjuvante (Rita Moreno), Direção de arte, Fotografia, Figurino, Edição, Som e Trilha Sonora.
O prêmio mais inesperado foi o de melhor diretor, divido por Jerome Robbins e Robert Wise, que desbancaram Federico Fellini, que competia com La Dolce Vita.


O Paciente Inglês (Anthony Minghella, 1996) – 9 Oscars
O ano de 1996 teve uma disputa acirradíssima pelo Oscar de Melhor Filme. O drama romântico baseado no livro de Michael Ondaatje e estrelado por Ralf Fiennes, Kristin Scott-Thomas e Juliette Binoche deixou para trás os norte-americanos Fargo (Etan e Joel Cohen), Jerry Maguire (Cameron Crowe), o inglês Segredos e Mentiras (Mike Leigh) e o australiano Shine (Scott Hicks). Além disso, também foi premiado em Direção (Anthony Minghella), Atriz Coadjuvante (Juliette Binoche), Direção de Arte, Fotografia, Figurino (Ann Roth), Edição e Trilha sonora.
Lauren Bacall, tida como favorita por seu papel em O Espelho tem duas Faces, foi desbancada por Juliette Binoche na categoria Atriz Coadjuvante. Por outro lado, Geoffrey Rush, com sua emocionante performance como o pianista David Helfgott, de Shine, faturou Melhor Ator , superando o favorito Ralf Fiennes.

O Último Imperador (Bernardo Bertolucci, 1987) – 9 Oscars
Um dos mais belos filmes de Bertolucci, narra história de Aisin-Gioro Puyi, o último imperador da China Imperial, que através de flashes relembra a sua infância, abreviada por ter se tornado imperador muito cedo e tendo de viver isolado na Cidade Proibida, e sua vida madura em Pequim após o domínio japonês, em Pequim. De produção impecável e pomposa, foi o primeiro filme a ter autorização do governo da República Popular da China para filmar na Cidade Proibida e usou mais de 20 mil figurantes ao longo das filmagens.
Indicado para nove prêmios, ficou com todos eles: Filme, Direção, Fotografia (Vittorio Storaro), Direção de Arte, Figurino, Edição, Trilha sonora, Som e Roteiro adaptado.


Sindicato dos Ladrões (Elia Kazan, 1954) – 8 Oscars
Foi o filme que consolidou a carreira do mito Marlon Brando. Ele viveu Terry Malloy, um ex-boxeador que acaba se envolvendo com uma gangue liderada por Johnny Friendly (Lee J. Cobb) e que atua no porto de Nova York, à época dominado pelo crime e pela corrupção. Depois da morte de um dos trabalhadores da área, Malloy, arrependido, tenta consertar suas ações enfrentando o sindicato e acaba por se apaixonar pela irmã do jovem falecido, a bela Edie Doyle (Eva Marie Saint).
O tom revolucionário e as excelentes atuações do filme renderam-lhe boas críticas e grande bilheteria. A bela fotografia em branco e preto de Boris Kaufman foi muito elogiada, garantindo uma estatueta nessa categoria. Indicado em 12, conquistou também os prêmios máximos em Filme, Direção, Ator (Marlon Brando), Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Direção de Arte, Fotografia, Edição e Roteiro.


E o Vento levou (Victor Flemming, 1939) – 8 Oscars
A saga de Scarlett O´Hara está presente na memória de cinéfilos de todas as idades e influenciou centenas de outros filmes do gênero. Vivida por Vivien Leigh, Scarlett passa de menina mimada a mulher batalhadora para defender sua família e sua fazenda de algodão durante a Guerra da Secessão, casa, fica viúva e volta a casar com o cínico milionário Rett Buttler, interpretado pelo galã Clark Gable. E o Vento levou exibiu figurinos luxuosos, locações belíssimas e ficou famoso pelos vários problemas durante sua filmagem. Entre eles está a antipatia de Leigh por Gable e os desentendimentos da estrela com o diretor, Victor Flemming.
Foi o primeiro filme a cores a ganhar o Oscar de melhor filme. É o segundo com o maior número de indicações ao Oscar, ficando atrás apenas dos empatados A Malvada, de 1950, e Titanic, de 1997, indicados a 14. Além das categorias tradicionais (Filme, Direção, Atriz, Atriz Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Montagem, Fotografia e Edição), conquistou outros dois especiais (um honorário e outro técnico), pela utilização de equipamentos coordenados na produção, e pelo bom desempenho no uso de cores para a valorização do teor dramático do filme. Entretanto, esses dois últimos não são contados no quadro geral da Academia.


Quem quer ser um milionário (Dany Boyle, 2008) – 8 Oscars
Depois das grandes produções milionárias e dos dramas românticos, os anos 2000 destacaram as produções independentes. Em 2008, a Academia se encantou com a adaptação do livro Quem quer ser um Milionário, de Simon Beaufoy, dirigida por Danny Boyle. Famoso na cena alternativa britânica dos anos 90, Boyle conduz a história de Jamal Malik (Dev Patel), jovem de 18 anos que cresceu nas favelas de Mumbai e vê uma chance de mudar de vida ao participar da versão indiana do game televisivo inglês Who Wants To Be A Millionaire?. No entanto, no auge do programa, a polícia prende o rapaz por suspeita de fraude.
Pela agilidade que caracteriza o estilo de Boyle e pela temática, foi aclamado como um novo Cidade de Deus pela crítica internacional. Também mostrou para o mundo que nem só de Bollywood a Índia é feita. Tanta originalidade rendeu ao filme 8 premiações, nas categorias Filme, Direção, Roteiro Adaptado, Fotografia, Edição, Trilha Sonora, Canção Original e Mixagem de Som.


Lawrence da Arábia (David Lean, 1962) - 7 Oscars
As décadas de 50 e 60 foram dominadas pelos épicos. Rodado na Espanha e no Marrocos, Lawrence da Arábia foi baseada na biografia de T.E. Lawrence (1888-1935), Os Sete Pilares da Sabedoria. O filme trata do enigmático Lawrence (Peter O´Toole), jovem tenente do exército britânico que durante a I Guerra Mundial está baseado no Cairo e pede transferência para a Península Arábica. Lá ele se torna oficial de ligação entre os rebeldes árabes e o exercito britânico, que se aliam contra os turcos.
Sem nenhuma atriz em papel principal ou secundário, a aventura do tenente inglês é considerado pela crítica inglesa um dos maiores filmes da história do cinema daquele país. Tais qualidades também foram reconhecidas pela Academia, que lhe laureou com Oscars nas categorias Melhor Filme, Melhor Diretor (David Lean), Direção de Arte, Fotografia, Trilha Sonora Original, Edição e Som. Aclamado por sua performance como o militar, Peter O´Toole, entretanto, foi preterido por Gregory Peck, premiado por O Sol é para todos.

*Matéria publicada originalmente na Revista Movie, em fevereiro de 2010

Um novo começo

Muitos de vocês já conhecem o Duelos y Delícias há alguns anos. Na verdade, comecei com o blog em 2004, pensando em escrever sobre assuntos diversos. Como cinema sempre foi um tema importante na minha vida - sou cinéfila desde que me conheço por gente e pesquisadora da área, na qual fiz mestrado na Unicamp entre 2004 e 2007 - ele acabou dominando os posts e fazendo do que um dia era um espaço para falar de tudo em um blog especializado.

Para fazer jus à importância da sétima arte, inauguro hoje o Pelis y Pelis, blog-irmão do Duelos. Aqui pretendo trazer a cada dois dias críticas que fujam da tendência de ser apenas uma indicação de consumo que campeia na mídia especializada e da qual muitos outros blogueiros excelentes fogem. Também publicarei ensaios atuais ou já publicados, além de notas simples e pitacos variados sobre tudo que se relacione ao mundo do cinema - moda, música e comportamento, principalmente.

Começar um blog de cinema num dia em que muita gente está vendo a entrega dos Oscars, que acontece logo mais, foi apenas uma feliz coincidência. Espero que você que lia o Duelos y Delícias continue me acompanhando por aqui. Que comente, participe, discorde, aplauda, vaie, enfim, esteja por perto. Bons filmes para todos!